terça-feira, 8 de setembro de 2009

Nova arma contra a esquistossomose Pesquisa mapeia o genoma do parasita Schistossoma mansoni e abre frente para a criação de novos remédios e vacinas

Publicação: 08/09/2009 08:00 - Correio Braziliense


A esquistossomose faz parte de uma lista de doenças que, apesar de atingir milhares de pessoas em todo o mundo, nunca motivaram a indústria farmacêutica a investir no desenvolvimento de remédios ou vacinas para combatê-las. Isso porque esse e outros males — como a malária, a leishmaniose e o mal de Chagas — costumam afetar principalmente as populações de países pobres, que não trariam retorno financeiro aos laboratórios. Até pouco tempo atrás, apenas um remédio, produzido pelo laboratório Merck, era indicado para tratar o problema causado pelo parasita Schistossoma mansoni. No entanto, uma pesquisa, desenvolvida por cientistas de vários países, conseguiu mapear o genoma do parasita e indicar que outros medicamentos podem ser eficazes no tratamento da enfermidade.

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Dois cientistas brasileiros participaram do estudo com colegas dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Irlanda e Japão. Essa colaboração conseguiu catalogar as proteínas do verme. O biólogo molecular do Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), Ricardo De Marco encontrou medicamentos que atuam contra proteínas encontradas no Schistossoma. “Como esses remédios são usados para outras doenças, eles já foram testados em humanos, em relação à toxidade e efeitos colaterais, não precisando ser testados em humanos nesses aspectos”, lembra. “Entretanto, essas drogas precisam ser estudadas em sua eficiência contra a doença.”

Guilherme Oliveira, também biólogo molecular, do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Belo Horizonte, organizou proteínas diferentes e também chegou à mesma conclusão. Segundo ele, existem algumas drogas que já foram listadas e estão sendo testadas. “Temos 50 drogas que podem atuar contra 30 proteínas já identificadas”, revela. “Essa lista pode crescer, mas a ideia é identificar mais proteínas que possam ser utilizadas nas pesquisas.” Esses dois estudos usaram o sequenciamento genético do parasita e trabalharam com um número muito grande de informações, que permitiram o melhor entendimento do seu ciclo de vida. Com isso, foi possível identificar várias proteínas que podem ser usadas em diferentes formas de combater o parasita.

No Brasil, a doença é causada pelo Schistossoma mansoni, mas também existem os tipos japonicum (Ásia) e hematobium (África), que infectam seres humanos. De Marco estudou a origem do Schistossoma para verificar se o verme surgiu de uma evolução do parente asiático. Para ele, esse estudo vai auxiliar no entendimento do ciclo de vida do parasita. Ele também verificou o DNA do verme com a intenção de interromper sua adaptação ao corpo humano. Além de mapear as reações metabólicas, Oliveira estudou dois grupos de proteínas: as proteases, que filtram o sangue humano para o verme se alimentar, e as quinases, que são uma rede de sinais relacionados à reprodução. Para Oliveira, a intenção é matar o parasita de fome e perturbar a sua regulação.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 200 milhões de pessoas estejam infectadas com esquistossomose no mundo todo. Acredita-se que a doença cause a morte de 20 mil indivíduos todos os anos. Algumas pesquisas para a criação de vacinas ainda não tiveram resultado positivo, mas De Marco acredita que o número de proteínas encontradas pode ser importante para o desenvolvimento de uma forma de imunização. “O bom desse resultado é que ele vai servir como um catalisador para novas pesquisas”, afirma. Oliveira também identificou uma série de proteínas encontradas na superfície do parasita e que pode ser testada como vacinas. Todos os resultados foram publicados e estão disponíveis para qualquer cientista que queira estudar o Schistossoma.

Na América do Sul
O Brasil é o principal foco da doença na América do Sul, com aproximadamente 41 mil casos confirmados no ano passado. Segundo dados do Programa Nacional de Controle da Esquistossomose do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade da doença reduziu, nas últimas três décadas, de 0,7% para 0,3% ao ano.