Os pesquisadores da área de saúde devem ter como foco a solução das doenças que acometem as pessoas, o que justifica o desenvolvimento de pesquisas que empreguem células tronco.
O desejo de curar as doenças, e a carga emocional que essa postura carrega não justificam, contudo, atitudes precipitadas ou impensadas. Um dos pontos que se coloca é o uso de zigotos/embriões humanos como fonte das células tronco, que suscita duas perguntas: Os zigotos/embriões são a única fonte possível dessas células? Qual o estatuto dos zigotos/embriões humanos?
À primeira pergunta, muitos cientistas respondem NÃO. Afirmam que, com células tronco retiradas de tecidos de indivíduos adultos, é possível obter sucesso terapêutico.Quanto à segunda pergunta, o dado incontestável da genética é que, desde o momento da fecundação, ou seja, da penetração do espermatozóide no óvulo, os dois gametas dos genitores formam nova entidade biológica, o zigoto, que carrega em si um novo projeto-programa individualizado, uma nova vida individual. A construção de uma casa requer o envolvimento do arquiteto que faz o desenho, do empreiteiro que administra a construção, dos pedreiros que executam a obra e do material necessário. No zigoto, essas diferentes funções (o desenho, a coordenação, a construção e o material de construção) se encontram e se ativam por dentro; ele é o arquiteto, o empreiteiro, o pedreiro e o próprio material.
Não se trata, então, de um simples amontoado de células.Aceitando que isso é um dado científico, e não uma opinião, entendemos que o zigoto/embrião precisa ser tutelado.
Se o cientista deve trabalhar pelo bem de todos, e se a dignidade da vida humana deve ser respeitada qualquer que seja a situação em que se encontre - zigoto, embrião, feto, criança, adulto, idoso: sadios ou doentes -, não se aceita eticamente o sacrifício de "alguns" pelo bem de "outros".
Dalton Luiz de Paula RamosProfessor Associado da Universidade de São Paulo
Algumas reflexões sobre células-tronco.
Ao começar a refletir sobre estes temas tão polêmicos, gostaria de afirmar que a Igreja defende a pesquisa científica, sobretudo quando se pensa que essa pesquisa pode nos levar à cura das doenças que afligem a humanidade.
O que a Igreja quer frisar é que a ciência também tem de respeitar os direitos do homem. Não se trata, aqui, de defender a vida a partir de argumentos de fé. Trata-se de usar a razão para defender o valor absoluto de cada pessoa humana.
Quando a pesquisa científica diz respeito à vida humana, os limites devem ser definidos de maneira muito clara, para evitar que se manipule a vida de um ser humano desprotegido em favor de outro ser humano mais favorecido.
Não devemos ter medo de pôr limites à ciência. Devemos ter medo, sim, de uma ciência que, sem reconhecer limites éticos, acaba pondo em risco a vida humana com os desequilíbrios que provoca no sistema ecológico, nos relacionamentos entre ricos e pobres, e com sua participação na produção de armas.
Voltando ao problema da pesquisa com células-tronco, é evidente que essa pesquisa representa uma grande possibilidade para o desenvolvimento da ciência médica. Uma coisa que não se comenta é que todos os tecidos do corpo humano produzem células-tronco. Os especialistas em medicina celular sabem que pesquisas com células-tronco de tecidos adultos já deram resultados muito melhores, porque menos sujeitos a produzirem tumores.
Seja como for, por que a Igreja é contrária à utilização de células embrionárias? Porque o embrião é um ser humano em sentido pleno. Não se pode usar a vida de um homem para tratar a vida de um outro. Qualquer ser humano, rico ou pobre, jovem ou velho, de qualquer raça, tem um valor absoluto.
O problema, então, é reconhecer que o embrião já é um ser humano.Quem define quando é que a vida começa? Pela própria ciência se pode chegar a uma conclusão clara: quando o espermatozóide se une ao óvulo, nasce o embrião em sua primeira fase. O embrião, nesse momento, já está completo. Contém em si todas as informações necessárias ao novo ser humano. O que falta é apenas o tempo e a alimentação da vida para que chegue a seu pleno desenvolvimento.
Mais uma vez, quero frisar que não estou usando argumentos "religiosos" ou de fé para chegar a essa conclusão: é só olhar para o estágio de desenvolvimento da própria pesquisa científica. Poderíamos nos perguntar por que muitos cientistas reconhecem esse fato, ao passo que outros tantos não o reconhecem.
O ponto em questão é aquele pelo qual iniciei esta minha reflexão: deve a ciência respeitar limites éticos ou o que se deve é defender seu progresso a qualquer custo? Como estabelecido na Declaração de Helsinque, é a ciência que está em função do ser humano, de cada homem, de cada mulher e não o ser humano que está em função da Ciência.
A mídia tem explorado os testemunhos de portadores de doenças crônicas para as quais ainda não existem tratamentos que, justa e honestamente, buscam a cura para seus males. Esses testemunhos muitas vezes visam sensibilizar a opinião pública no sentido de se obter a rápida aprovação de leis que autorizem os cientistas a utilizarem embriões humanos como se isso pudesse "apressar" os resultados desses trabalhos de pesquisa, o que não é verdade porque as pesquisas com células-tronco retiradas de outros tecidos humanos (placenta, medula, entre outros) continuam se desenvolvendo a passos largos, no sentido de se alcançar os benefícios para a saúde de todos, o que é também o anseio da Igreja.
O que fazer com as pessoas doentes que poderiam esperar ser curadas a partir do uso da vida de embriões humanos? É preciso cuidar delas. Tenho certeza de que ninguém quer salvar sua vida à custa da vida de outro homem inocente.
São Paulo 01.07.04Pe. Vando Valentini Coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC/SP
O INÍCIO DA VIDA HUMANA: UMA ABORDAGEM ÉTICA E JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS
Introdução
Os autores com o pôsterno Congresso Estadualde Bioética
Desse modo, pretendemos trazer à reflexão alguns critérios que têm servido como parâmetro para definição do início da vida humana e a partir daí avaliar a pretensão científica quanto a utilização de embriões humanos, para retirada de células-tronco com finalidades terapêuticas.
Durante décadas da nossa história o conceito de início e fim da vida humana esteve presente nos campos das ciências médicas, biológicas, filosóficas e religiosas, apresentando peculiaridades e noções fundamentais para a construção do conceito de pessoa. Porém a partir da década de 70, com o avanço da ciência no campo da Reprodução Assistida, mais precisamente no desenvolvimento das técnicas para a realização da fecundação de um óvulo em proveta, várias vozes entoaram seus gritos quanto a viabilidade e a eticidade da manipulação da vida humana embrionária. A partir de então a Bioética, surgiu como mecanismo facilitador desse campo de atuação, enquanto movimento capaz de equacionar racionalmente a necessidade das aplicações das modernas biotecnologias na vida do homem moderno, tornando-se atualmente o meio de estudo mais importante na compreensão dos impactos sociais advindos da biomedicina.
Podemos acompanhar no quadro abaixo alguns critérios que procuraram identificar o início da vida humana:
Do ponto de vista jurídico e dentro de uma abordagem sistêmica, com base nos parâmetros fixados nas normas internacionais, tomou-se por base para a realização da presente análise a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, subscrita em 22/11/1969 e a Convenção sobre os Direitos da Criança. No âmbito das normas nacionais, o critério referencial básico para discussão encontra-se previsto no enunciado contido no o art. 2º do Código Civil Brasileiro, o qual define "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção". Dentro deste quadro normativo, podemos depreender duas assertivas que caminham em direções opostas: a (i) corrente natalista: compreende que a personalidade civil da pessoa é iniciada no momento do seu nascimento, sendo neste momento reconhecida a sua capacidade de sujeito de direitos; (ii), a corrente concepecionista: entende que a lei retroage os direitos da pessoa ao momento de sua concepção, sendo reconhecida então a personalidade civil do nascituro.
Para além deste critério e seguindo a orientação de Vitor Santos Queiroz, a Constituição Federal de 1988 garantiu o direito à vida da pessoa sem fixar o termo "a quo". Determinou também que as regras de proteção específicas à criança deveriam ser produzidas pelo legislador infraconstitucional, conforme art. 5º, caput, e 227. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura no art. 7º "A criança e o adolescente têm direitos à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento(...)". Participa desse entendimento, Silmara J.A Chinelato, a qual defende a personalidade civil do embrião nascituro, a partir da concepção.
CONCLUSÃO
Diante das considerações anteriormente expostas, podemos concluir que as definições ora apresentadas devem ser traduzidas em instrumento jurídico adequado, com um único entendimento capaz de proteger à pessoa, de forma a possibilitar o seu nascimento, não cabendo mais o processo ruidoso de anos de discussão e fundamentações de naturezas biológica, filosófica ou religiosa, que não foram capazes, ao longo da história, de definir o que é ser humano ou pessoa, aquele ser ao qual nos identificamos e não subjulgamos, como na relação escravista natural aristotélica. Nesse pensamento, o Direito continuará a se posicionar como agente regulador das relações naturais e interpessoais, sendo o único instrumento capaz de interferir nas ações e reações científicas e sociais, agora já não mais envergado ao reducionismo patrimonialista, mas como defensor do próprio sujeito, ser humano, pessoa, em razão de sua natureza humana e não dos valores materiais. A Bioética, como orientadora das ciências da vida e norteadora do novo Direito (o "Biodireito"), deve objetivar o protecionismo da autonomia do sujeito, a partir das novas concepções trazidas pelo avanço tecnológico do século XX , onde a vida humana encontrar-se-á protegida desde sua concepção até sua morte natural, como membro da família humana, reconhecido ainda no seu estágio gestacional, ainda que a concepção se dê fora do útero materno. Nesse sentido, se por ora não é possível um consenso transdisciplinar acerca do início da vida do ser humano e do reconhecimento deste como pessoa humana, conforme a extrema diferenciação traduzida na idéia dualista de Engelhardt, de que a pessoa começa, de que o ser humano se torna uma pessoa, significa que a personalidade e identificada a um conjunto de capacidades emergentes, notadamente a autoconsciência e a capacidade de imputação moral, não podemos perder de vista que a proteção possível e alcançável pelo Direito moderno à pessoa, é para o ser de natureza humana, nascituro ou nascido, independente de sua capacidade ou consciência, pois todo ser humano em gestação é possuidor de uma viabilidade teórica de nascer e ser autônomo a partir de sua concepção.
Portanto, o embrião humano que se encontra em laboratório, segundo as normas brasileiras vigentes, não está protegido juridicamente, por não possuir o status de nascituro ou de pessoa.
Por Maria Helena Lino e Rodrigo Guerracom revisão de Adriana Diaféria e Marlene Braz
Bibliografia básica:Queiroz, V.S. "A personalidade do nascituro à luz do ECA", http://www.fdc.br/ ;Almeida, S.J.C e, Tutela Civil do Nascituro, SP,Saraiva,2000;Goldim, J.R., "Início da Vida de Uma Pessoa Humana", http://www.bioetica.ufrg.br/;Aristóteles, "A Política".